Na atualidade a mentira constitui um dos principais
predicados das relações sociais, instituindo-se como valor eticamente perverso
e destrutivo em todos os níveis da vida dos homens. Demonstra-se escamoteada
como ideologia ou é expressa cinicamente como “mentira manifesta”, normatizando
as relações entre os indivíduos sob o signo da hipocrisia, do impedimento de
trocas entre indivíduos diferentes (unificação narcísica) e seu poder de
coerção promove a simbiose da pseudo-individuação entre os sujeitos. A mentira
se revela/desvela sob diferentes matizes desde a ideologia da indústria
cultural, passando pela mentira manifesta, pelas sutilezas enganosas e
opressivas da burocracia, por certas justificativas cínicas de segredo ou
exigência de sigilo até as formas de impedimento ostensivamente destrutivas de
amostra de certas formas de desejar, sentir, pensar e agir e/ou de expressões
de autenticidade e respeito à alteridade de indivíduos distintos. Assim, a
mentira transforma a relação entre os indivíduos em inalterabilidade e farsa. O
seu caráter destrutivo assenta-se fortemente na cumplicidade dos indivíduos
que, mesmo inconscientemente, dão aderência e reproduzem às suas diferentes
expressões. Ela tem a sua eficácia garantida pela permeabilidade e
maleabilidade da estrutura psíquica, em especial quando vulnerabilizada visto
que atingida pela violência social da mentira internalizada. Porém, a sua
dimensão perversa e autopunitiva se explicita na falsa verdade com que é
acolhida pelo indivíduo e porque interpretada por ele como originária de seu
mundo interno (Freud- sentimento inconsciente de culpabilidade e fragilidade
egóica). O poder de difusão da mentira entre os indivíduos se constrói por meio
da banalização das diferentes expressões da malignidade que atravessa a vida
dos homens na atualidade. Em âmbito mundial, a mentira produz e sustenta a
atribuição de periculosidade a certos grupos e/ou nações. Para justificar ações
pacíficas contra povos com fins prioritariamente econômicos. A violência vem
sendo consentida por meio de conivência dos homens que, prejudicados em seu
processo de individuação, diferenciação e reconhecimento da realidade desde a
infância, se enganam através dos comportamentos ideais adolescente da sociedade
contemporânea. As crianças, adolescentes e adultos perderam a oportunidade
desse jogo-folguedo coletivo e ficaram proibidas de ter seu sofrimento
minimizado no confronto - discernimento da verdade e da mentira porque não mais
vivido sob o lúdico e o acolhimento de seus parceiros. “Passam a ser,
entretanto, projeto ideal de ser indivíduo numa sociedade de soturnos e
regredidos “pensadores” envergonhados.” Novamente a criança e o jovem são o
alvo primeiro deste processo psicossocial alienador, pois adestradas desde
muito precocemente “para serem criadas para o mundo”, aprendem a viver o
afastamento indiferente entre os indivíduos como forma” sadia” de ser tratada. Deixa
de receber os cuidados de quem está próximo dela e, sob esta insensibilidade e
inconstância afetivas de pais fragilizados socialmente em sua autoridade, crescem
desligados do valor do convívio. Seus pais repetem entre eles e com os filhos a
ética da "independência", do descompromisso e de vínculos afetivos
instáveis.
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