REALIDADE DOS FATOS
Um dia, milhões de bebês
choraram na liberdade uterina do milagre da vida: nasceram. Não vestiram seus
corpos nem lhes calçaram sapatos nem lhes deram o conforto do seio materno,
antes da posse do sonho infantil, foram rejeitados, ao rigor do abandono. Um
dia, mãozinhas trêmulas, inseguras, sem afeto, bateram na porta do vizinho, procurando
abrigo. Não havia ninguém ali para oferecer afeto nem portas havia na pobreza
do lado. O menino escorregou na direção da rua. Um dia, a criança anêmica foi
eleita à marginalidade da escura noite e disputava papelões e pães no lixo do
depósito público. Às tapas, cresceu como grão perdido no vão das pedras, sem a
mínima possibilidade de sobreviver: sem teto, sem luz, sem chão. Um dia, o
adolescente esperto teve alucinações de vida e o desejo de conferir a
sociedade: candidatou-se à luta amarga do subemprego. Alvejado pela falta de
habilitação, foi condenado como vagabundo, recebendo etiqueta oficial de
mendigo. Um dia, o adulto desiludido, amargurado, sem emprego, sem referencial,
saiu à procura do amor. No escuro, mas cheio de esperanças, foi colecionando
portas fechadas pelo caminho. Sem Deus, sem nome, sem avalista, sem discurso,
acreditou no "slogan" das campanhas sociais. Um dia, o menino mal
nascido, mal amado, mal educado, não soube cuidar do filho que nem chegou a
ver. Não ouviu seu choro. Imaginou apenas que, após nove meses de duríssima
gestação, alguém brotara de um rápido encontro, irresponsável, assustado e
vazio que sempre ouviu dizer que se chamava amor.